Registro consolida formação bielorrussa como um dos pilares do darkwave contemporâneo
Por Luiz Athayde
Como o tempo faz bem à algumas bandas. Para o Molchat Doma (ou “moltchát domá”), ainda que se trate de uma formação nova, aquela expressão ‘envelhecendo como o vinho’ lhe cabe muito bem.
Nada mal para quem ganhou o mundo após viralizar no Tik Tok, com o vídeo dos “morcegos dançando” sob a trilha de “Sudno”. A faixa veio do álbum de 2018, Этажи (Etazhi), porém, o trio de Minsk, Belarus, fazia barulho desde o debut, С крыш наших домов (S krysh nashikh domov), editado no ano anterior.
Foi exatamente esse som de música de sorteio da Tele Sena que conquistou os góticos brasileiros, embora a bolha tenha estourado com mais facilidade lá fora.
E eis que em 2020, os caras lançaram ótimo Monument. Disco mais amplo musicalmente e que não agradou aos mais xiitas, entretanto, conseguiu ampliar significativamente sua base de fãs graças a consolidação da estética lo-fi.
Ledo engano. Quatro anos depois, a ordem foi evoluir: adeus radinho de pilha podre, bem-vinda a produção correta para seu enorme potencial sonoro – Belaya Polosa, novo álbum de estúdio via carimbo Sacred Bones Records.
O processo de mudança ocorreu logo após a pandemia de Covid-19, quando Egor Shkutko (voz), Roman Komogortsev (guitarra, syntetizador, bateria eletrônica) e Pavel Kozlov (baixo, sintetizador) se mudaram para Los Angeles, nos EUA.
Com isso, o óbvio: “É uma banda diferente. Um som e um contexto diferentes, mas com o mesmo estilo e as mesmas emoções”, disse a banda ao apresentar seu primeiro single, o sombrio (e põe sombrio nisso) “Сон (Son)”.
Inclusive, soturno é o nome do prisma seguido no discorrer das dez faixas presentes, que na mesma proporção, impede o ouvinte de ficar parado. Em outras palavras, trata-se de um dançante como nunca na breve discografia dos bielorrussos.
Ele segue cheio de referências oriundas do darkwave, do synthpop e do pós-punk. “Ты Же Не Знаешь Кто Я (Ty Zhe Ne Znaesh Kto Ya)” já começa mostrando que também entendem de EBM quando mesclado ao synthpop.
Em “Колесом (Kolesom)”, o tom é ainda mais escuro, praticamente sem possibilidade de visão metros adiante. Culpa da conexão voraz com Depeche Mode, especialmente dos álbuns Black Celebration (1986) e Music For The Masses (1987). Timbre e atmosfera inconfundíveis.
A faixa-título por sua vez, ecoa no synthpop alemão dos anos 1990, tendo nomes como Camouflage e De/Vision em primeiro plano. “Безнадежный Вальс (Beznadezhnyy Waltz)” figura o interlúdio do álbum. Tão tétrica que se feita nos anos 80, acharia havia saído do Decálogo do cineasta polonês Krzysztof Kieślowski. Apenas assista ao trailer do filme e compare.
De volta a Belaya Polosa, o susto agora é com a intro groovada de “Черные Цветы (Chernye Tsvety)”, simulando sem querer (ou não) “Alter Mann”, do Rammstein.
Na verdade, o que se segue é uma balada melancólica, como se Bobby Gillespie (Primal Scream), Dave Gahan e Martin Gore (ambos Depeche Mode) fossem vistos na porta de um clube às 7 da manhã, em algum momento de 1994. E não porque acordaram cedo.
Tudo já estava correndo bem quando resolvem melhorar atacando de Um Tira da Pesada gótico em “III”. Só seu balanço basta para ser uma das melhores do play. Ao mesmo tempo, faz a gente pensar o que seria do mundo sem Harold Faltermeyer.
Enquanto isso, o baixista Pavel Kozlov marca presença na “Не Вдвоем (Ne Vdvoem)”, outra música com cara de balada. Ela integra a trinca melódica do disco, que ainda traz “Я Так Устал (Ya Tak Ustal)”, flertando massivamente com o pop sintetizado de 30 anos atrás; e a chave de ouro, “Зимняя (Zimnyaya)”
Concluindo, Belaya Polosa é o Molchat Doma muito além do hype. Mas o sobretudo, como o pilar contemporâneo das waves; sejam elas dark, cold, new, pós-punk.
Ouça na íntegra pelo Bandcamp ou a seguir.