O álbum que alia rock orgânico com elementos eletrônicos de forma genial!
Por Márcio Heleno
Inverno de 2003. Há pouco mais de 4 meses naquele ano estava numa cidade pequena do interior do estado de Santa Catarina tentando degustar o frio que se aproximava. Uma das formas de encarar temperaturas baixas era esquentando os ouvidos.
E nada melhor do que visitar as (hoje) antigas lojas de CDs. Passando vários álbuns pelos meus dedos, um chamou atenção: a capa, com um rapaz de calça jeans abraçando uma mulher meio que transparente (e nua). Aquilo realmente me chamou atenção. Ao visualizar além da imagem percebi o título, Sleeping With Ghosts, do Placebo (nome igualmente interessante para uma banda). Perfeito.
A capa do álbum aveludou-se perfeitamente com o título. E eu entendi que ali se tratava de uma obra sobre relacionamentos mal terminados e a sensação de vazio intermitente veio à tona. Era um registro melancólico.
Colocando os fones, experimentei a audição inicial com uma música instrumental (“Bulletproof Cupid”). De cara percebi que era mais uma banda fruto do Britpop (Oasis, Blur, The Verve, etc) que invadiu as rádios na década anterior. Ao menos parecia não ter caído longe da árvore. Passando à música seguinte, a noção inicial mudou.
Estava ansioso, afinal, que banda começa um álbum dessa maneira? “Será que esses caras pensam que são o Rush?” (Para mim, só bandas como Rush poderiam se dar ao luxo de começar um álbum com uma música instrumental!).
Mas então vem a “English Summer Rain”. É ali que começa o álbum de verdade. E como uma pancada leve, percebo uma bateria gravada de forma mais natural possível, começando apenas com uma célula rítmica envolvente de hi-hat, caixa e bumbo. Mas a surpresa não acaba ali: o vocal me deixou totalmente apreensivo: Geddy Lee, vocalista do Rush (que outrora citava em minha mente) está com um projeto musical novo? Não.
O timbre vocal incrivelmente parecido era de Brian Molko, também guitarrista. A música se desenrolou com uma qualidade ímpar. Essa banda não era mais um fruto do BritPop.
E ao ouvir os teclados e outros elementos eletrônicos bem encaixados, também concluí que a banda não vinha do grunge (que assassinaram qualquer chance de um teclado apoiar uma música no rock).
Passando à próxima, “This Picture” tem um início declinantemente vibrante com bateria e baixo tocados de uma forma reta, mas com uma pegada firme e um requinte de poucos: Steve Hewitt, baterista canhoto, dono dessa massa sonora por todo álbum.
E como não poderia deixar de ser, a música fala de retrato, perda e envelhecimento. Perfeito para um dia frio numa cidade desconhecida. Ali eu me dei conta que estava diante de um clássico.
Anos mais tarde, o Placebo lançaria o álbum Meds que, por muitos, é considerado o melhor da banda. Mas Meds só pôde existir porque antes houve “Sleeping…”.
A música título do álbum tem uma pegada eletrônica forte sem deixar de ser uma bela balada. Saber mesclar sons de instrumentos orgânicos com sintetizadores e células eletrônicas de ritmo é para poucos. E nisso, o Placebo obtém sucesso. Eles não são como as bandas de Britpop barato.
Indo mais à frente, ouvimos a pesada “Plasticine”, que traz uma letra igualmente impactante: “A única coisa na qual você pode confiar é que você não pode confiar em coisa alguma / Não saia por aí vendendo sua alma por auto estima / Não seja uma massa de modelar”.
Uma letra que funciona como um oásis em meio a um oceano de melancolia que o álbum tem.
“Special Needs”, mais uma pancada bem feita. As músicas são tão bem produzidas, tão bem mixadas e elaboradas que pode-se dizer que o Placebo é um rock de arte antes de ser um rock de expressão.
O disco foi, até então, o maior sucesso do Placebo. Sendo seu quarto álbum, Sleeping With Ghosts, aquele que deixaria o grupo mundialmente conhecido e seria o experimento anterior a dois grandes álbuns (“Meds” e “Loud Like Love”).
Friso sem medo de errar: existe rock de qualidade com aparatos eletrônicos. É possível fazer rock com teclados sem parecer um “progchato” nem amante abobalhado da new wave oitentista.
Placebo não é indie, não é grunge, não é prog rock, não é new wave. Placebo em Sleeping With Ghosts é tudo isso junto ao mesmo tempo agora!
Com o álbum fazendo aniversário recentemente, podemos considerar que o passar dos anos lhe deixou mais atual do que na época de seu lançamento! Merece a audição!
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Sobre o autor
Márcio Heleno
Músico desde 1992, amante das várias vertentes do rock, comecei como ouvinte de grandes bandas de rock evangélico até em meados dos anos 90, enveredar por novos caminhos, no caso, o heavy metal britânico (Venom, Iron Maiden, Saxon, etc), o hard rock setentista (Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, etc) e algumas bandas de rock progressivo brasileiras (O Terço, Casa das Máquinas, etc) dos anos 70 também. Depois me vi deparado ao som do progressivo inglês dos anos 60 e 70 e ali, já estava apaixonado por ouvir e descobrir essas bandas, estilos e subestilos.
Na década de 2010, em busca da realização de mais um projeto musical (sim! esta é a vida do músico brasileiro!) passei a entender melhor o universo punk e pós punk dos anos 80 e a new wave propriamente dita da década também. Relacionar esses clássicos com bandas modernas é uma delícia e me vejo sempre compelido a escrever.
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