Apenas uma grande banda com um grande disco
Por Luiz Athayde
Da geografia africana – da terminologia “lugar distante” –, a República do Quênia talvez seja o país mais falado depois da África do Sul; seja pelos seus guerreiros Masai ou por seus eternos campeões de corridas de longa distância. Se tornou independente da coroa inglesa somente em 1963, graças a uma longa e sangrenta guerra iniciada em 1944, também conhecida como ‘Revolta dos Mau Mau’. Como legado, divisão política, conflitos étnicos e posteriormente religiosos oriundos de outras fronteiras; além da inevitável ocidentalização.
Mas, por ser do espírito africano o florescimento perante o caos – inclusive exportado para o Brasil via navios negreiros –, muitos anos e algumas gerações depois, nasce, em Nairóbi, capital do país, Just A Band.
Formado em 2003 por amigos na Universidade Kenyatta no melhor estilo “Do It Yourself” (“faça você mesmo”), Blinky Bill, Dan Muli e Mbinthi Masya resolvem conectar suas influências de jazz, música eletrônica, hip hop e disco music; cantando tanto em inglês quanto em suaíli. Para chamar a atenção, lançam um release contando uma história fictícia da banda.
“Dan tinha acabado de voltar para o Quênia depois de três anos viajando com uma caravana Touareg liderada por Hazim Barghai… Bill não tinha ideia de onde ele veio, tendo passado 13 anos de sua vida sob hipnose. Ele voltou a si em algum momento em 2002, vivendo em um convento abandonado em Limuru … Jim passou muitos anos de sua juventude servindo café arábico e ópio nas tocas de Kilgoris.”
Em 2008 finalmente sai seu debut Scratch to Reveal, com relativo sucesso local. Mas é no ano seguinte que o grupo lançaria seu petardo discográfico. Intitulado apenas como 82, deu um pequeno, mas significativo salto no nível de produções independentes do país, rendendo uma parceria com o selo ganês Akwaaba Music para licenciamento do disco nos Estados Unidos. O primeiro vídeo de seu segundo single “Ha-He” ganhou o título de “primeiro meme do Quênia” devido ao sucesso do seu personagem Makmende Amerudi, inspirado nos filmes blaxploitation.
“Extra” mostra a faceta mais R&B/Hip Hop do trio, que aparece principalmente no “lado A” do disco. Em clima tropical e dançante, “Migingo Express” faz menção à minúscula ilha Migingo, que até hoje gera disputas territoriais entre Quênia e Uganda. A pisada no freio vem com a ultra chillout “Sunrise”, tranquilamente uma das melhores faixas do álbum. Daí para frente, músicas para qualquer pista de dança que se preze: “Huff + Puff”, “Uko Mbele” e “Forever People (Do It So Delicious)”, essa última com direito a videoclipe e um lugar na trilha sonora do filme Nairobi Half Life (2012).
Anuciando o fim, as batidas pesadas de “BoogieDeeSweet” soam, através de uma hipnótica voz feminina, como se as savanas quenianas nunca fossem sofrer com a ação nociva do homem. E de uma maneira não muito convencional “Tingiza Kichwa” encerra 82. Antes de entrar em um hiato que dura até os dias de hoje, o grupo lançou Sorry for the Delay em 2012.
Com tantos atos do gênero circulando por aí, Just A Band conseguiu fazer a diferença – ao menos para os ocidentais – na óbvia questão linguística, já que a fonética suaíli, assim como vários dialetos africanos, soa exótica nos ouvidos programados para absorver somente o inglês; de quebra, produziram um excelente cartão de visitas para outras terras, incluindo a “Brasilis”. E é por isso que você precisa prestar atenção ao que se faz na “terra de aventuras perigosas” (e outros estereótipos), é por isso que você precisa ouvir 82.
Ouça 82: