Brincadeira que virou EP e posteriormente um disco cheio com novas músicas esfumaçadas
Por Luiz Athayde
Só me faltava essa. Joy Division da brenfa. Mas se você é daqueles fãs mais hardcore, certamente não está nem um pouco surpreso. E mais: a conexão da formação mais importante de Manchester, Inglaterra, com o reggae é tão natural quanto a tal planta que até hoje é motivo de discussões fervilhantes.
Seu saudoso vocalista, Ian Curtis não só curtia um som jamaicano como também era um ávido colecionador de discos de artistas como Bob Marley e Toots & The Maytals. Mas a sua música predileta era “Turn The Heater On”, de Keith Hudson. Quem revela é a viúva Deborah Curtis, no seu livro de memórias Touching From a Distance.
Isso sem mencionar o uso de reverb na bateria e a faixas que inconscientemente transmitem uma aura esfumaçada – que tal “Candidate”, “Autosuggestion” ou mesmo “Wilderness” ?
Como nenhum integrante vivo arriscou uma releitura, os músicos Brad Truax (conhecido por sua passagem pelo Interpol) e Barry London (Dan Melchior’s Broke Revue), meio que como uma brincadeira (meio não, totalmente) no Brooklyn, em Nova York, resolveram interpretar a música do Joy Division de um jeito dub.
Mas não só isso; puxando ainda mais para o psicodélico, sem medo de não soar como, por exemplo, o coletivo mega profissional Easy Star All-Stars, amplamente referendados quando o assunto é cover; Beatles, Radiohead, Pink Floyd. O nome? Jäh Division.
Aquele parênteses: existe uma banda russa de mesmo nome, com as mesmas influências e com uma discografia até mais gorda (larica mais forte em Moscow), mas que em nada se conecta, ao menos até o presente momento, com a rapaziada norte-americana.
Juntamente com Truax (baixo) e London (teclados), completaram a formação o baterista Chris Millstein, do Home, e John Colptis (aka Kid Millions), da banda Oneida na percussão eletrônica; todos integrantes de grupos de viés experimental, ou seja, está tudo em casa.
O primeiro e até então único passo foi gravar o que vinham fazendo, e neste caso o EP de 4 faixas Dub Will Tears Us Apart, editado pelo carimbo The Social Registry em 2004 em vinil 12 polegadas 45 RPM. Nele, as versões lesadas “Transmission Dub” e a viciante “Heart And Soul Dub” no lado A; e “Dub Disorder” e a faixa título no lado B. Todas sensacionais, inclusive pela bagagem underground do grupo, que transpareceu nitidamente nas músicas.
O tempo passou e o “mais projeto do que banda” era nome carimbado em festas no norte da cidade, com direito a canja com gente de grupos correligionários como Animal Collective, Awesome Color, Oneida, White Magic e afins.
E eis que, 15 anos depois, em janeiro de 2019 o duo lança seu trabalho de estreia no formato cheio, agora como Dub Will Tears Us Apart… Again. Entre as inéditas, uma óbvia leitura para “Isolation”. Sim, porque essa é uma das faixas que eu poderia ter citado acima por imaginá-la dub.
Na longa “Paramount Lobby”, eles aproveitam para mergulhar fundo em uma viagem que por alguns momentos você não sabe se vai ter volta. Ao modo Lee “Scratch” Perry, “Sloppy Homework” arrisca ainda mais no lance experimental ao trazer sons de cítara que mais soam como estivessem em um balaio de punks no meio da rua. Ultra suja.
Como não poderia deixar de ser, o registro também saiu no vinil, dessa vez pelo carimbo Ernest Jenning Record Co. e nele constam duas faixas bônus em um disquinho 7 polegadas especial para o lançamento.
“Fu Manchu Dub”, originalmente assinado pelo saudoso padrinho do ska Desmond Dekker, bem que poderia sair em algum disco do Air se Nicolas Godin fosse um entusiasta pelo mato seco, já “Champion Of The Arena Dub” não traz novidades, e é justamente por esse motivo que ela soa tão legal.
Você precisa ouvir Dub Will Tears Us Apart…Again pela sua aura de descompromisso e descontração, além de revelar as inúmeras possibilidades musicais de uma banda tão importante e tão esmagadora no cenário musical como foi (e ainda é) o Joy Division.
Ouça o disco na íntegra no Bandcamp ou abaixo via Spotify.