Anos 1980 em 2024 maravilhosamente feito no Brasil
Por Luiz Athayde
Ainda é de assustar ao notar o talento desta nova geração de bandas para sons voltados para a década 80. E não é apenas uma questão de emular um fértil período musical, mas também fazer parte de um organismo vivo e próprio, como a cena brasileira. Por mais percalços que ainda existam.
É nesse contexto surge um dos destaques da classe de 2024 (e de outras recentes), a formação paulistana The Secret Shelson’s Band.
Sua linha de frente, na verdade, vem de trás, do kit de bateria. William Garce fundou a banda em 2020, que entre mudanças aqui e ali, hoje conta com o produtor e multi-instrumentista Gabriel Pelenson (olha ele aí novamente, Systemica Records na área), o baixista/vocalista Gustav Bez, e Mark Lange comandando o sintetizador.
É um grupo extremamente jovem, incluindo seus integrantes, mas inspirado como gente grande. Tanto que os poucos lançamentos – singles, EPs e a demo autointitulada no ano de fundação – ganharam uma ótima repercussão no subterrâneo.
Isso levando em consideração que se trata de um nome genuinamente independente e (perdão pelo adjetivo hoje brega) “orgânico”. Ou seja, sem comprar seguidores nas redes sociais ou ouvintes fantasmas nas plataformas de streaming.
De todo modo, o que sempre importa ainda é a música. E foi o que fizeram no sintomático álbum de estreia, Back In Time. Aliás, título que incrivelmente não soou batido graças ao nível das composições. Ao mesmo tempo, ele soa perfeito para o leque configurado em dez abas, ou melhor, faixas.
Algumas já são de conhecimento de vários aficionados por pós-punk de plantão. Se não é seu caso, basta obedecer a ordem e começar a viagem por “Whispers On The Bridge”. Mas também dá para chamar de continuação de “Atmosphere”, do Joy Division; matéria-prima desse gênero sônico.
Ela abre caminho para “All I Had”, que traz um apelo mais melódico enquanto flerta com a new wave. A faixa-título engata imediatamente para uma aura radiofônica e com cara de trilha sonora de filme de aventura. Daqueles anos, claro. Dançante até a medula.
Por outro lado, “Sadness Song” segue pela via reta e empolgante do pós-punk. Aviso: há um eco ensurdecedor da era inicial do Sad Lovers & Giants. Pegada sensacional. “Tonight (Boundless And Free)” é outra música calcada na melodia, contudo, se não fosse pelo andamento acelerado, diria que “A Estratégia do Caos”, do RPM seria uma influência. De qualquer forma, o resultado é óbvio: envolvente do início ao fim.
“Lost In My Generation” é uma velha conhecida, mas soa refrescante como se lançada ontem. Cortesia das conexões com gente tipo Death Cult e Danse Society.
Na sequência, baixo na cara e “Mayday, Monday!”. Uma música extremamente simples, oriunda da era embrionária dos Shelsons, porém, engenhosa por ser uma das sacadas de grandes discos. Em outras palavras, menos é mais.
A melancólica (na verdade, realmente melancólica) “Ask My Inner Self” também sinaliza para o desfecho, mas não antes do registro te surpreender com “The Meaning Of Hell”. Quem manda é a escola que formou a primeira onda do rock gótico, especialmente Fields of the Nephilim dos tempos do clássico Dawnrazor.
Mas é através de “You Spend Literally All Your Life Finding Guests For Your Funeral” que a volta do Secret Shelson’s Band se dá por completa. Começaram e terminaram com Ian Curtis e cia e lá ficaram.
Em contrapartida, é humanamente impossível dar conta de tudo que sai a cada segundo. Entretanto, o The Secret Shelson’s Band faz parte daquelas formações que orbitam nossa atenção sem fazer muito esforço. Algo raro, principalmente sabendo que atualmente tudo gira em torno dos algoritmos.
O passo seguinte será deixar uma marca palpável através do formato físico. Até lá, a reverberação ficará por conta da via digital, inclusive disponível abaixo e também no Bandcamp. Grande disco.
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