Voz da banda ícone do anti-racismo falava abertamente sobre sua vida em exclusiva para o Big Issue
Por Luiz Athayde
Não há dúvidas que mortes prematuras nos deixam tão chocados. E a de Terry Hall, vocalista do seminal e ícone do ska anti-racista The Specials, aos 63 anos, foi uma dessas que tomaram de assalto a comunidade do ska. E claro, da música em geral.
As reações foram imediatas, com posts de amigos como Tim Burgess (The Charlatans), e bandas correligionárias ou não, a exemplo de Madness, The Valkyrians, Os Paralamas do Sucesso e The Slackers, bem como cEvin Key (Skinny Puppy), Robert Görl (DAF), New Order e OMD.
Mas quem foi Terry Hall, digamos, como ‘pessoa física’? Em entrevista exclusiva para o Big Issue, na sessão Letter to my Younger Self (ou “Carta ao meu Eu mais jovem”) ele revelou um pouco de sua trajetória como um ser humano que encontrou a música como plataforma para expor sua indignação com as injustiças sociais, incluindo, claro, o vigente racismo na terra da rainha, e como isso realmente o afetou.
Na época (setembro de 2021), a banda editava seu álbum de covers, ou melhor: uma pequena compilação de artistas que os influenciaram, intitulada Protest Songs 1924 – 2012. “Eu tinha passado por muitos traumas na minha adolescência, mas ter 16 anos foi um grande período para mim. Eu deixei a escola aos 15 anos e estava ocupando muitos empregos. Um dia eu era pedreiro, no dia seguinte eu era cabeleireiro”, começa Hall ao cavar fundo sua história. E segue:
“Quando você é expulso da escola sem nada, ela fecha muitas portas, mas eu estava começando a ter um ângulo sobre o que eu queria ser e o que eu queria fazer. Havia um período em que eu estava usando meu dinheiro para comprar discos. O Young Americans de David Bowie foi um disco decisivo para mim e eu tive a primeira ideia de que talvez eu quisesse estar em uma banda. Mas eu achei difícil entender como realmente foi feito.”
“Meus heróis foram Bowie, Roxy Music e Lou Reed. Um padrão estava se desenvolvendo do que eu gostava musicalmente. Depois aconteceu o punk, e quando vi os Pistols e The Clash, percebi que não parecia tão difícil. Eles também não pareciam saber tocar muito bem, então a coisa era formar uma banda e então resolver o problema. Foi o que nós fizemos. Nem sabíamos quem ia tocar o quê – passamos todos os instrumentos até encontrarmos o que nos sentia confortáveis. Eu não estava à vontade com nenhum deles, então me tornei o cantor.”
Sobre a vida de peão, que definitivamente não era a dele: “Praticamente toda a minha família trabalhava na indústria automobilística. E, naquele momento, ainda havia empregos. Mas eu não queria trabalhar em uma fábrica, então tentei conseguir empregos ao ar livre. Eu trabalhava em um mercado atacadista. E a alvenaria era ótima. Comecei meu aprendizado aos 16 anos, mas não durou muito. No verão era fantástico; no inverno era horrível, sentado na lama, molhado e carregando tijolos.”
“Meu despertar político foi em Coventry, na minha adolescência, quando descobri que os clubes de homens trabalhadores tinham uma barra colorida em suas portas. Você só poderia entrar se fosse branco. Isso realmente me abalou. Eu não conseguia resolver isso. Os anos setenta foram tão racistas. Era a década mais racista. Na minha escola tivemos este influxo de asiáticos ugandenses que foram expulsos por Idi Amin. Eles enfrentavam o racismo todos os dias. Isso abriu meus olhos, e as coisas não mudaram. Quando você vê injustiça, tudo o que pode fazer é pensar: o que posso fazer para ajudar, o que posso dizer sobre isso, como posso fazer com que as pessoas tomem consciência disso? Isso não é necessariamente em escala global, pode ser em sua rua ou em sua família. Influencie as pessoas ao seu redor, então você vive em harmonia, e isso para mim é sucesso. Sempre tive a convicção de que você deve tratar as pessoas com respeito e ser gentil. Portanto, estabeleça um padrão e tente não mergulhar abaixo dele. Na maioria das vezes, você pode acordar todas as manhãs e dizer: “Vou ser gentil”. Não é tão difícil assim.”
Aos que insistem em desassociar música de política, em específico à sua banda, Hall foi enfático:
“The Specials sempre foi sobre protesto. Todos protestam, seja em pequena ou larga escala. Agora protestamos mais de nossas poltronas, mas ainda o fazemos. Ainda vemos a injustiça e sentimos que temos que comentar. É ótimo quando o mundo se reflete em sua música. Foi o que aconteceu com o Encore [Disco da volta do grupo, lançado em 2019]. Não havia um plano, era assim que estávamos nos sentindo e muitas pessoas sentiam o mesmo.”
Falar de ska two tone e Specials sem mencionar seu maior clássico é uma heresia, e aqui Terry revelou seu sentimento em relação ao primeiro sucesso da banda:
“A música Ghost Town e o que ela representou foi brilhante. Ela captou o que a gente sentia – não apenas em Coventry, mas estávamos em turnê pelo norte e vimos todas essas fábricas fechando, todas essas pessoas ficando desempregadas. Fazer eco a isso e conseguir que muitas pessoas ouvissem foi ótimo. Mas esse nível de sucesso recorde é esquisito. Esperava-se que conseguíssemos um disco de ouro para aquele disco, mas achei isso bastante horrível. Por que precisamos dessa recompensa – para dizer, OK, o mundo tá uma merda, nosso país numa confusão, você gosta do meu disco de ouro? Parecia o momento perfeito para a primeira parada do The Specials. Tínhamos passado de sete crianças no banco de trás de uma van para sermos presenteados com discos de ouro e eu nunca me senti tão bem.”
A entrevista se encontra disponível na íntegra (em inglês) acessando este link.