Álbum faz jus à história da formação gótica inglesa formada em 1982
Por Luiz Athayde
Olha, poucos álbuns se mostraram como um verdadeiro parto para serem gerados. Ao menos na esfera gótica. A banda inglesa Skeletal Family tenta voltar às atividades discográficas desde antes da pandemia, mas a enxurrada de problemas criou uma enorme barreira.
Isso inclui tentativas com duas vocalistas diferentes, incluindo uma falida com Annie Marie Hurst, que posteriormente tentou sem sucesso sua própria versão da banda e acabou remontando o lendário Ghost Dance. Fora os trabalhos paralelos dos membros fundadores Roger Nowell (baixo), Stan Greenwood (guitarra) e Ian “Karl Heinz” Taylor (teclado, saxofone) no meio musical.
Nesse ínterim, alguns singles foram editados, com videoclipe e tudo, mas faltava o álbum, aquele registro para colocar o grupo de volta no mapa sônico. E eis que finalmente, na classe de 2023, surge o primeiro disco de estúdio em 14 anos: Light From the Dark.
Claro que o mesmo só foi possível ser concretizado após uma nova mexida na casa: há bons anos o trio veterano conta com o baterista Adrian “Ozzy” Osadzenko, e em meados de 2022 Anneka Latta passou a assumir os vocais.
Bom, até aí, tudo bem. Mais uma vocalista e single no páreo, que por sinal não chega a empolgar em relação ao antigo catálogo do grupo. Por sinal, “My Own Redemption” é a faixa que encerra o álbum.
Na verdade, esta é uma boa faixa. O toque moderno dita as regras, ainda que soe notavelmente dark. No entanto, para um cartão de visitas, faltou uma conexão com seus momentos clássicos. Mas calma, nem de longe é o fim do mundo, ainda havia muita coisa por vir…
E veio. Pouco antes de soltarem o álbum na praça, “Cry Baby” apareceu como o novo single do grupo, trazendo exatamente as características que faltaram no lançamento anterior; aceno ao passo que lhe rendeu fama, mas sem soar forçada, ou uma espécie de pastiche do passado.
Em “Edge of a Dream” a banda esbanja ambiências sob um instrumental simples e cativante. Como sempre souberam fazer: rock gótico com ares puramente pós-punk e vice-versa. Por outro lado, “Brewing Up A Storm” transporta o ouvinte diretamente para o Batcave Club, onde cena gótica realmente começou na Inglaterra.
“What Are You Waiting For” segue o viés obscuro, trazendo uma simbiose entre a aura oitentista e a sonoridade atual, especialmente no refrão. Aqui quem se destaca é Nowell, com as quatro cordas bem na sua cara. “Beautiful Disaster” flerta com a música eletrônica sob uma ótica dos anos 90. Inconscientemente, os ecos são de nomes como Babylon Zoo e o que se fazia no mainstream daquele período.
Assertivamente, a banda escolhe “New Horizon” para retomar a pegada pós-punk/gótica. Para quem sentia falta de algo na veia de “Promises”, já aviso: esta soa tão boa ou melhor que o maior hit da brigada inglesa. Aliás, impossível não se encantar com a voz de Anna, que consegue soar doce e agressiva ao mesmo tempo, mas sobretudo melodiosa.
E por falar em melodia, na “All The Same to Me” cumpre seu papel novamente com maestria em contraponto com a abordagem dark. Embora a bateria soe como uma banda dos anos 60. Mas, de volta aos anos 80, “Glorious” ecoa aquela sonoridade ‘céu cinzento’ que tanto permeou a cena britânica naquela época. Sim, temos mais uma música cativante.
A essa altura, já dá para perceber que o mote é o equilíbrio entre o velho e o novo (ou futurista, não importa de quando parta). Como “Enough Is Enough”, que segue fazendo esse interessante contraponto ao longo do disco, mas, melhor: soa tão diferente quanto empolgante das demais. Porém, não em relação ao estilo; basta ouvir Siouxsie & the Banshees notar que está tudo ali. Fantástica.
Gravado no Back Barn Studios, de Paul Weller (The Jam), em Ripley, o álbum teve produção assinada por Charles Rees e masterização a cargo de Gordon Young.
O “parto” durou entre 2020 e 2022 e o filho sucessor de Songs of Love, Hope and Despair (2009) sequer chega aos 40 minutos de duração. Mas não dá para reclamar. A seleta de sons para esse novo registro faz uma incontestável justiça ao que soltaram na primeira metade da década de 80.
E é algo que pude visualizar, ou melhor, ouvir, na medida que ia recebendo as demos – em off, obviamente – de Roger “Trotwood” Nowell, para dar um parecer sincero. E ao conferir o resultado final, as palavras acabam sendo o de menos: a músicas diz por si só. Grande álbum – a velha escola do gótico está de volta.
Ainda:
+ Skeletal Family nasceu em Keighley, Inglaterra, na classe de 1982, das cinzas do grupo The Elements. O nome da banda foi extraído de um trecho da música “Chant of the Ever Circling Skeletal Family”, do álbum de 1974 de David Bowie, Diamond Dogs.
+ A vocalista Hannah Small integrou o Skeletal Family nos anos de 2019 e 2020, gravando o single “State”.
Ouça Light From The Dark na íntegra pelo Bandcamp, o abaixo, no Spotify: