Registro não surpreende, mas envolve ao remeter a alguns dos melhores momentos da discografia dos gregos
Por Luiz Athayde
A música da entidade helênica de gothic black metal Rotting Christ sempre foi um banquete ocultista, filosófico e histórico. Especialmente à medida que o núcleo criativo, composto pelos irmãos Sakis (guirarra/vocal) e Themis Tolis (bateria), adquiriram experiência. Atualmente, eles são acompanhados por Kostis Foukarakis (guitarra) e Kostas Heliotis (baixo).
Tudo bem que um dos grandes clichês da esfera metálica está nas letras anticristãs. Mas no caso da formação ateniense, o cuidado com o tema, ainda que careça de mais profundidade, já a diferencia de vários grupos deste estilo.
Foi o que fizeram em seu novo álbum, Pro Xristou (“Antes de Cristo” em grego), editado recentemente pela Season of Mist. Trata-se de uma ode à última resistência pagã contra o cristianismo, inclusive retratada na arte ‘Destruição’, de Thomas Cole (1801-1948) – série de pinturas em cinco partes, intitulada “A Maldição do Império” – usada para a capa.
No entanto, a produção apresenta o resultado de manufatura da maioria das grandes bandas dessa seara, e até mesmo de sua própria discografia. “Cortesia” da mixagem de Jens Bogren, um dos produtores mais requisitados do atual mercado de sons pesados.
Calma. O álbum está longe de ser ruim. Pelo contrário. O que não há de inovador, compensa em energia, teor épico e melodias que grudam tão bem na sua mente quanto os registros da era mais gótica do grupo. Algo difícil, mesmo contabilizando quase 40 anos de estrada.
É pela faixa-título (intro) que a banda começa seu tributo aos deuses antigos, seguida da épica “The Apostate”. Por aqui, percebe-se a primeira conexão com o que fizeram recentemente, em especial no disco Κατά τον δαίμονα εαυτού (Kata Ton Daimona Eaytoy), de 2013.
“Like Father, Like Son” surge na sequência como a letra mais intensa do álbum, especialmente se quem a ouve luta para seguir em frente com a ausência do pai.
“Os ecos batem em minha cabeça, os sussurros atormentam meus ouvidos / Pai, você pode ter partido, mas sua voz ainda está aqui / Tão perto […] Orgulho e honra, paixão, amor e fé / Acredite em seu próprio espírito, esse é o ditado de seu pai / abra suas asas e voe, encontre o limite de seu sonho / Permaneça fiel e lute, esse é o desejo de seu pai”
Sem mais. Se bem que agora, uma suposta figura paterna aparece em “The Sixth Day”. É o criador de tudo, o Deus cristão; “pivô” dos maiores derramamentos de sangue da história humana.
Musicalmente, ela é uma reconfiguração de “Ad Astra”, presente no álbum solo de Sakis de 2022, Among the Fires of Hell. Entretanto, seu recorte temporal vem do maravilhoso A Dead Poem (1997).
O álbum segue com “La Lettera Del Diavolo”, trazendo Androniki Skoula, vocalista da banda de ambient/darkwave Chaostar. A resultante dessa participação é uma faixa tão assombrosa quando abrasiva. “The Farewell” é outra canção poderosa (por mais brega que possa soar esse termo), e soa como uma canção perdida da segunda metade da década de 90.
As ambientações folk também soam comuns na discografia do Rotting Christ, porém, “Pix Lax Dax” figura apenas mais de uma mesma métrica. A sensação é que a ideia foi compor nos moldes, “em time que está ganhando, não se mexe”, uma vez que essa pegada ainda funciona.
E por falar nisso, a ótima “Pretty World, Pretty Dies” lança mão sem medo da fórmula usada nos discos The Heretics (2019) e Sleep of the Angels (1999), provendo algo bem próximo de uma trilha sonora de filme de batalha. Assim como “Yggdrasil”, a árvore da vida na miotologia nórdica.
Curiosamente, Pro Xristou encerra com “Saoirse”. A faixa tem como tema o rei irlandês Diarmait mac Cerbaill, o último dissidente da expansão do cristianismo. É também o que há de melhor neste novo trabalho, até mesmo pela referência a “Shout at the Devil”, do Mötley Crüe no meio da música.
Ainda há duas faixas na versão deluxe: “Primal Resurrection”, um plágio de “King of a Stellar War” (do seminal ‘Triarchy of the Lost Lovers’, de 1996); e “All For One”.
Faz-se necessário levar em consideração que o Rotting Christ devota suas atividades no subgênero mais extremo do rock, e costumeiramente, o mais conservador.
Há de se louvar o que fizeram discos atrás com tamanha singularidade. E dito isso, a essa altura do mundo, lançar um disco que cative o ouvinte, definitivamente não é para todos.
Claro que Pro Xistrou nasceu dividindo opiniões, mas é justamente esse um dos fatores cruciais para a longevidade. Em suma, disco excelente, digno de replay, e que melhor, digamos, compilou os momentos memoráveis da banda.
Ouça na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir.