A lua subiu, e com ela, o patamar criativo do ex-integrante da banda Cachorro Grande
Por Luiz Athayde
Aquele papo de síndrome do segundo disco não parece existir por aqui. Em 2020, o artista gaúcho Rod Krieger estreou solo com A Elasticidade do Tempo; disco de uma época onde o termo psicodelia já se encontrava em desgaste.
Ainda assim, ele se saiu bem, obrigado. “— De nada”, provavelmente disse após registrar canções como “Louvado Seja Deus” (esta com ninguém menos que o mutante Arnaldo Baptista), “Despertar” e “Raio”.
No entanto, seu passo seguinte poderia resultar em tornozelo torcido se repetisse a fórmula. Não foi o que aconteceu. Hoje, ele lança A Assembleia Extraordinária. Sua fotografia de 2024, porém, com negativos que revelam uma grande inspiração por décadas atrás.
Antes, rock britânico, psicodelia brasileira. Agora, também. No sentido, “tem isso, mas muito mais no pacote”. Em especial, nomes clássicos lusitanos citados por Krieger como José Cid e Sérgio Godinho, e o nosso patrimônio nacional, Alceu Valença, inclusive rendendo uma ótima versão para “Cabelos Longos”. Tudo cortesia dos anos morando em Portugal, que também impulsionaram a saudade do Brasil.
Todavia, o resultado final, ao menos para quem ouve, induz a várias conexões. No fim das contas, elas remetem ao mesmo denominador comum: anos 60 e 70. E não vale somente para rock, importande frisar.
Pegue a faixa-título por exemplo; soando como um remix de algo feito por George Harrison quando produziu The Radha Krsna Temple em 1971. Ela abre o portal para o que foi o primeiro single, “Cai o Sol e Sobe a Lua”; eletrônica a ponto de sua melodia vagar entre o trip hop e a trilha sonora de um filme em preto e branco. Pois é, a gente chega lá.
Em “Era”, Krieger apenas endossa os elementos da faixa anterior, mas com uma dose extra de groove, fazendo desta o ponto alto do disco. É simplesmente impossível não esboçar alguma reação durante a audição.
Todavia, “Em Qualquer Lugar que Existir” não fica atrás, como se houvesse um encontro em Beatles, Primal Scream e o Clube da Esquina. A interpretação para a música do Alceu vem logo em seguida mostrando Rod aparentemente cru, pelo formato voz e violão. Entretanto, as nuances experimentais – aparatos eletrônicos e citara, tocada por Fabio Kidesh – deram um tempero especial.
“O Fluxo das Coisas” entra no contexto “conexões”. Blur, Stone Roses e The Charlatans são nomes que surgem de imediato por conta de seu balanço à la Manchester. Melhor que isso, só mais disso. “Transmimento” é outra faixa onde a vazão é pelo lado experimental. único ponto negativo está na curta duração. De qualquer forma, o povo do Krautrock mandou um abraço.
Mais uma instrumental na sequência; “Este Comboio Não Para em Arroios” (mais um single) foi uma das companhias de Krieger durante suas caminhadas de casa até o estúdio.
“O trajeto percorrido durante o vídeo [assista aqui] pode ser chamado de ‘o caminho da aprovação’, pois foi durante esse percurso que ouvi as misturas do álbum e as versões das músicas que estavam a surgir no processo de composição do disco”, disse o músico.
Só que, mal você expira e “A Loucura do Habitual” chega para fazer o encerramento da assembleia convocada por Rod Krieger, aqui encarnado no espírito zombeteiro de Arnaldo Baptista.
Contudo, não se trata exatamente do fim (então, chegamos): o conceito do álbum inclui um filme de caráter surrealista, composto pelo ex-Cachorro Grande juntamente com o fotógrafo Daryan Dornelles, a ser lançado no próximo ano. Os singles previamente lançados servem como uma boa prévia.
Do lado musical, A Assembleia Extraordinária é o que há de melhor no histórico de Krieger. Ouça o disco na íntegra a seguir.