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Foto: Mateus Mondini

Red Dons no Brasil em 2009: terror na estrada, amplificador pifado e público ensandecido

O líder Douglas Burns nos contou alguns causos ocorridos durante a metade da turnê brasileira

Por Luiz Athayde

Das cenas sônicas dos Estados Unidos, a gélida Portland é certamente uma das mais singulares. Algo a ver com o clima ou a pegada “diferentona”, com suas anuais passeatas de bike – ciclistas nus em prol do meio ambiente –, mendigos não-marginalizados, assíduos frequentadores de bibliotecas, e lojas de maconha em maior quantidade que o Starbucks.

Das falanges mais recentes, podemos citar o pesado e intelectual Agalloch e o The Estranged – ambos influenciados por Joy Division. No passado e hoje ostentando status cult/clássica, os politicamente incorretos do Poison Idea; desde os anos 80 destilando sua letras ácidas, não importando o Zeitgeist.

Bem no meio do caminho, temos o Red Dons. Nem punk, nem pós, ou, na verdade, um pouco dos dois e além; um híbrido anti-idealista entre Warsaw e The Ventures, com algumas pinturas para lá de reflexivas.

Gerados das cinzas do The Observers, em 2006 a banda comandada pelo enérgico vocalista, guitarrista e, ocasionalmente pianista Douglas Burns, debutou discograficamente sob a nova alcunha com Death to Idealism, em 2007. Dois anos depois, incluíram o Brasil no giro promocional do álbum.

A turnê, com datas por praticamente todo o mês de janeiro e comecinho de 2009, incluiu cidades, como Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Vila Velha.

Hajji Husayn em ação em Vila Velha (Foto: Mateus Mondini)

Na cidade capixaba, que outrora foi um dos epicentros do hardcore brasileiro, a rapaziada de Portland tocou no saudoso Águia Marcante, na Praia de Itapuã; um mix de restaurante, quiosque e risca faca de luxo, por haver eventos de forró essencialmente frequentados pela classe média da região.

Ficaram sob tutela de Renzo Coimbra, na época tocando no Micareta Reich, um dos grupos que figuraram os atos de abertura.

Mas, como acontece com toda banda que vive sob o signo do D.I.Y.  (“faça você mesmo”), tudo pode acontecer: de perrengues na estrada a, como é mais comum, equipamentos deixarem os músicos na mão – ou no violão.

Como fui uma das testemunhas oculares e auditivas daquela fantástica noite do dia 17 de janeiro de 2009, fui atrás do músico e também artista  plástico – todas as artes da banda são assinadas por Burns, que também pinta quadros sensacionais – para descobrir qual parte da turnê rendeu histórias mais curiosas.

Sobrou para o perímetro compreendido nos territórios do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ou, do inferno protagonizado pelo motorista Seu Joel, ao céu, graças ao banquete proporcionado pela mãe de Renzo.

Douglas Burns (Foto: Mateus Mondini)

Com as palavras, o próprio, Douglas Burns:

“A viagem noturna do Rio foi aterrorizante. Felizmente, eu dormi durante a maior parte. Três dias e noites seguidos sem dormir me deixaram completamente exausto. Hajji [Husayn, baixista], Richie [Joachim, baterista] e Zach [guitarrista] não tiveram tanta sorte. Eles assistiram horrorizados quando nosso motorista Seu Joel atravessou o interior do Brasil.

Todos na estrada dirigiam com a mesma imprudência. Enquanto caminhões leves rolavam em valas e carros esportivos colidiam com o tráfego que se aproximava, Seu Joel, nunca parava para abastecer.

Acordei com o som de gritos. Era madrugada. Tínhamos escapado por pouco de um acidente horrível. Não havia cintos de segurança. Eu estava acordado agora. Logo depois, ao mesmo tempo, três carros à nossa frente ultrapassaram um ônibus quando o mesmo passava por um caminhão. O evento ocupou todas as faixas e margens da estrada estreita. Os carros e caminhões que se dirigiam a nós foram forçados a sair da estrada. Também fomos quase empurrados para fora da estrada na grama.

Aparentemente, eventos como esse haviam se tornado algo comum durante a noite. Não foi nada comparado ao que me fez acordar. Os brasileiros continuaram dormindo pacificamente na van, enquanto nós, estrangeiros, temíamos por nossas vidas. Começamos a nos referir a Seu Joel como “Deathwish”. A van foi batizada como “The Goodship Blue Terror”.

Chegamos a Vitória por volta do meio dia e fomos direto para a casa do promotor. Nossos anfitriões não nos esperaram até mais tarde naquela noite, mas isso não importava. Eles foram além de acolhedores. Eu imagino que eles sentiram pena de nós. Chegamos à sua porta um grupo atordoado e desgrenhado.

Hajji e Douglas na Praia da Itapuã, Vila Velha (Foto: Mateus Mondini)

O promotor era um adolescente chamado Renzo. Ele morava com seus pais e irmã mais nova. A casa deles era cercada por altos muros de estuque, cobertos com arame farpado, uma fortaleza. Sem hesitar, a família colocou tapetes no chão para dormirmos. A mãe de Renzo começou a cozinhar um delicioso banquete de frutos do mar. Havia uma cópia do jornal local na sala de estar, aberta na seção ‘Artes’. Bem ali, ao lado de uma foto de Elton John, havia uma foto colorida de mim cantando. Trouxe uma cópia do jornal para casa de meus pais.

O show daquela noite foi na cidade vizinha de [Vitória] Vila Velha. O local ficava em frente à praia, de frente para o oceano. Antes do show, subimos e descemos o calçadão comendo melancia e bebendo mate. Mal reconhecemos o pôr do sol pitoresco que serviu de pano de fundo. Não foi a beleza do momento que se perdeu em nós, mas também serviu como nossa sugestão para retornar ao local e descarregar a van.

Richie relaxando antes do show, ao fundo, a Praia da Itapuã (Foto: Mateus Mondini)

Meu amplificador explodiu cedo no nosso set. A platéia parecia angustiada, mas estávamos preparados. Isso já havia acontecido várias vezes durante a turnê. Coloquei meu violão de lado e cantei. A energia nervosa na sala despertou emoção, quando ficou claro que o show continuaria. [A boa] Loucura se seguiu. Todos na sala dançaram e cantaram junto como uma entidade conectada.

O grupo balançava para frente e para trás, unidos. Nós caímos e voltamos juntos. Apesar das barreiras linguísticas, as pessoas pegavam o microfone. Um lenço vermelho estava enrolado na minha cabeça. Eu não podia ver, mas continuei cantando e dançando ao lado dos que estavam no show.

Red Dons ao vivo no Água Marcante, 17 de Janeiro de 2009 (Foto: Mateus Mondini)

A certa altura, o suporte de pratos de Richie quebrou. Alguém literalmente ficou ao lado dele pelo resto do nosso show, segurando o pedestal e o chimbal com defeito, para que ele pudesse continuar a usá-lo. No final da noite, empacotamos a van e voltamos para a casa de Renzo. Sua mãe mais uma vez preparou um banquete. Nós comemos e dormimos ali mesmo, no chão.”

Depois dessa aventura, o Red Dons voltou bem cedo para o estado do Rio para seguir com a turnê, se apresentando em Barra Mansa, no interior.

De Death to Idealism para cá, a banda registrou mais dois álbuns de estúdio: Fake Meets Failure (2010) e The Dead Hand of Tradition (2015), com giro bem longe do Brasil, se apresentando somente nos Estados Unidos e Europa.

O último trabalho do grupo foi o EP Genocide, lançado em 2017.

Abaixo, o único registro do show de Vila Velha, que também serve de parâmetro para o que foi aquela inesquecível turnê.

Mais Red Dons pode ser conferido nos links abaixo.

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Trabalhos de Douglas Burns como artista plástico e visual:

Douglas Burns Arts

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