Em meio ao apogeu da corrida pelos direitos civis nos Estados Unidos, músico focava em uma forma mais livre de tocar jazz
Por Luiz Athayde
Chega a ser curioso, com todo o fogaréu ocorrido no Capitólio dos Estados Unidos, um disco como esse, após tantos anos, ainda soar atual. Ao menos tematicamente. Em 1971 a (ainda) maior potência mundial se encontrava em uma temperatura equivalente, oriunda do surgimento de vários segmentos dos direitos civis.
Musicalmente dizendo, na parte mais borbulhante, muitos movimentos estavam voando como grandes fagulhas, e o jazz, que já circulava há um bom tempo, também sofreu mais uma relevante alteração, graças (também) ao ex-saxofonista da banda de John Coltrane. Ele mesmo, Pharoah Sanders.
Mesmo já tendo em seu currículo obras-primas como Ascension (álbum de 1966 com Coltrane), Karma (1969) e Jewels of Thought (1970), Sanders sentia a necessidade de criar um álbum que fizesse emergir um sentimento de unidade com a comunidade afro-americana. O título? Black Unity.
Não foi à toa que sua então esposa Thembi Sanders – inclusive tema do álbum anterior, do mesmo ano – teceu algumas palavras fundamentais no encarte do disco: “O sentimento de união, de unidade de todos os negros e unidade com o Criador, sempre foi o tema na música do Pharoah Sanders. Black Unity é o seu sentimento mais sincero e profundo da necessidade da união do povo negro no mundo de hoje. A mensagem é ‘Black Unity Now’ “.
A produção foi assinada por Lee Young (irmão do saxofonista Lester Young) e foi gravado supostamente em estúdio – já que há sons de aplausos no fim do registro – no outono (primavera do lado de cá) de 1971 em Nova York, e editado pelo carimbo Impulse Records.
O registro possui apenas uma faixa de 37 minutos, onde o mote é o improviso, agora chamado de Free Jazz, sob um único lick de baixo, tocado por dois ases do instrumento: Stanley Clarke e Cecil McBee. Tambores, percussões africanas, balafom, dois saxofones, trompete e piano aqui servem para dar ainda mais cor à paleta de sentidos, levando o ouvinte a uma grande viagem, envolta a picos de virtuose e momentos mais meditativos, ou, Spiritual Jazz.
Embora seja uma peça marcante para muitos especialistas, fãs e entusiastas do jazz, Pharoah, prestes a completar 81 anos, não possui memórias tão vívidas daquele período, como comentou em entrevista recente sobre o álbum (via página oficial):
“Foi há tanto tempo, que hoje não me lembro muito dessa gravação. Eu tocava muito harmônio naquela época e também o fiz nesse disco. Mas era difícil viajar com aquele harmônio, eu nunca conseguiria viajar com ele, embora quisesse. Ele ainda funciona muito bem, mas não o toco há anos. Mas um dia desses vou tocá-lo… ”
De qualquer forma, em um estilo curiosamente tão conservador que é o jazz, ouvir álbuns como Black Unity é um alento a ouvidos mais sensitivos, e até mesmo carentes por músicas com o poder de transcender.
Há alguns anos Gustav Janko pontuou sabiamente para a It’s Psychedelic Baby Magazine escrevendo:
“É uma experiência mística coletiva e uma viagem de volta às origens da humanidade. Esta não é apenas uma música africana, é uma música universal, música humana, um canto que leva o ouvinte de volta às raízes do mundo.”
Sem mais palavras, agora é sentir este clássico do gênero com uma temática tão atual.