Banda mais misteriosa do subterrâneo brasileiro estreia sem medo de unir gêneros musicais
Por Luiz Athayde
É quase sempre complicado tecer palavras quando nos deparamos com um álbum que foge de certos padrões. Embora a interpretação seja livre para quem ouve, absorve e até sente o que uma banda quer (ou não passar).
No caso do ato paranaense NewMen, o padrão seria (veja bem, “seria”) aquela linha invisível entre a new wave e o pós-punk. Isso baseado no ótimo Only Humans, editado em 2022.
Só que eles voltaram com um novo registro, que em quase nada se parece com o EP de dois anos atrás. Ao menos musicalmente: Only Machines.
Os comandos das máquinas seguem com Ágah More e Koslov; duas figuras que mais parecem terem saído de um portal Steampunk durante o fatídico acidente nuclear em Chernobyl. Suas habilidades incluem fazer fluir sonoridades como new wave, synthpop, jazz e até heavy metal.
E neste caso, foi em oito faixas. Junte tudo isso a letras de cuidado ímpar, influenciadas por correntes de pensamento como transumanismo e estoicismo. Em inglês.
Também vale ressaltar a produção, já que ela destaca a cozinha como poucas no perímetro brasileiro – teclados, mas sobretudo baixo e bateria.
Se quer surpresas, comece do ínicio mesmo. “Maybe” consegue ser tão envolvente quanto irrotulável, o que não impede de associá-la ao grunge e a cena eletrônica alemã; ambas dos anos 90.
Em “Malaise Society”, o nome mais próximo é de um encontro entre Devo e Queens of the Stone Age, porém, com fantásticas nuances de space rock na pegada de Jean-Michel Jarre. “The Third Law” apela para ares mais sombrios com uma camada espessa de hard rock. Seu conteúdo lírico denota sobriedade, uma vez que fala do princípio da ação e reação.
“Everyone wants justice but not everyone understands the mechanism / That’s why I see / The Newton’s third law”
(“Todos querem a justiça, mas nem todos entendem o mecanismo / Por isso eu enxergo / A terceira Lei de Newton”)
Na sequência, vem “Death Is New Life”, uma música com o requinte do sophisti-pop e o peso de uma composição de rock. As linhas de guitarra soam assertivamente complementares, evitando da faixa soar como uma banda brega do mainstream.
Isso não quer dizer que não haja momentos mais pesados. A exemplo de “Ezequiel”, a mais elaborada do álbum. Embora “Ataraxy” não fique muito atrás ao flertar com o progressivo – um dos mentores da banda ser um exímio baterista faz toda a diferença.
Curiosamente, “I Don´t Believe in Love” lembra algo de The Mission. Entretanto, seu mote é o extremo oposto de “Lovely”. Enquanto Wayne Hussey “acredita nos anjos” e “no amor”, o foco dos novos homens está no eu.
Aliás, o que dizer do groove, remetendo ao bom e velho funk, tão usado por formações pós-punk na década de 70.
Para encerrar, uma overdose de samba-synth-fusion. É ouvindo “The End of the World” que a gente percebe o alto nível de musicalidade dos caras. Disparada a que melhor extraiu o suco do rock nacional dos anos 80 (que por si só já flertava com a música brasileira), do jazz contemporâneo e do espírito vanguardista de gente como Talking Heads, Fellini e Vzyadoq Moe.
O único ponto negativo, por assim dizer, é Only Machines não ter saído nos anos 80. Certamente, faria do NewMen uma das bandas cult do cenário nacional. Mas, como o que interessa é o aqui e o agora, o lance está na reverberação que o álbum terá. Por esses lados já nasceu seminal.
Ouça na íntegra a seguir.
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