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Gloria de Oliveira & Dean Hurley – Oceans Of Time

Parceria rendeu registro à altura dos principais nomes do icônico selo 4AD

Por Luiz Athayde

Se a única função do artista fosse reinventar-se a cada instante, a esfera dos sons etéreos estaria em ótimas mãos. Isso porque praticamente não há como ser inovador depois que o mundo viu o surgimento do seminal Cocteau Twins. Mas não é destes saudosos a que me refiro no momento, e sim de um dos nomes mais promissores da atualidade, Gloria de Oliveira.

Sua passagem nestas páginas virtuais está longe de ser uma novidade, mas ela ainda se mostra uma incógnita quanto ao alcance em território nacional. De fato, a mira da artista teuto-brasileira não é o Brasil, mas seu mais novo trabalho, Oceans Of Time, bem que merece chegar até aqui.

Por outro lado, não dá para julgar um time que continua ganhando. Mais que cantora, Gloria é atriz, compositora, artista visual. Suas credenciais são compostas por trabalhos sobretudo no continente europeu, através de longas, curtas e séries para a TV. Ainda assim, ela, intencionalmente ou não, desafiou a si mesma a adentrar no cenário darkwave, a fim de ampliar sua forma de arte.

Foto: Divulgação

Com isso, entre 2019 e 2021, lançou singles, EPs e uma compilação com versões conhecidas e reeditadas de suas canções. Mas faltava o disco. Cheio. Novamente inédito.

E veio, mas não sozinho: Dean Hurley – rápida parcial: colaborações a perder de vista com o cineasta estadunidense David Lynch – mergulha no projeto, co-assina o play e, logo de cara, já soltam uma interpretação deslumbrante de “All Flowers In Time Bend Towards The Sun”, de Elizabeth Fraser e Jeff Buckley; cortesia dos vocais apaixonantes de Gloria, para dizer o mínimo.

Ainda aquecendo seu lançamento, o duo apresentou a gélida, sombria e esfumaçada “Something to Behold”, ganhando um videoclipe fantástico, remetido longinquamente às películas dos longas noventistas do islandês Fridrik Thor Fridriksson. E como a gente diz por aqui, foram aperitivos. O álbum veio sob chancela da Sacred Bones Records em mais 10 faixas que fogem a qualquer linha do tempo e suas etiquetas.

Os momentos “flutuantes” são uma dominância por aqui, sob camadas ethereal wave, dreampop e new age. De uma forma que tecnicamente é facilmente explicada pelo time de músicos que assinam os violoncelos, a viola e os violinos que se aliam aos synths e guitarra de Hurley. O resultado palatável também se dá graças a masterização de Brian Lucey, especialista em artistas pop.

A abertura é com a “Intro” cinemática, seguida por um spoken word em alemão. “Ashore of the Cosmic Sea” entra comandada por uma batida nos moldes old school, como se você esperasse uma faixa do Dif Juz ou uma música de trabalho de Liz Fraser e cia. “Seven Summits” é outro feixe etéreo, com uma abordagem quase Enya. Dizer “envolvente” é chover no molhado.

Como se não bastasse, “Hanging Gardens” serve como uma espécie de faixa invasora na psique de quem ouve, dado seu enorme apelo melódico instrumental e a capacidade vocal de tomar conta do ambiente. Grande faixa, e um dos picos de toda a carreira da artista. “Eyes Within” mantém o alto padrão, mas envolvendo de outra maneira. Seu viés segue oitentista, nostálgico e, ao mesmo tempo, interligado aos duos e voos solo da atualidade.

Outra característica presente na música de Gloria é a pegada celestial, típica e quase que necessária ao estilo. É o que entrega “Astral Bodies”, sem se estender. O recado é dado em pouco mais de 2 minutos. “In the Tenth Year of Forever” começa soando como se fosse uma das últimas composições feitas para o álbum, como se fosse uma extensão da faixa anterior. Mas a essa altura, o jogo já está ganho.


Juntamente com o lançamento do disco, veio outra bela produção videoclíptica, a do single “Picture of a Picture”, aqui assinado pela artista em conjunto com Christopher Gorski e Seda Kaçak. Musicalmente, ela dialoga novamente com as trilhas sonoras de cinema regadas a música clássica, drama e melodia.

“Further Than the Stars” foi a selecionada para encerrar a pintura sônica de inúmeras nuances, indo por um mote estelar e extremamente atmosférico. Se feita no começo dos anos 80, seria uma ótima pedida para o filme Starman, de John Carpenter.

Não estamos na sessão “você precisa ouvir”, mas Oceans Of Time deve estar no seu toca-discos, streaming ou cdplayer porque traz a mesma experiência de uma sessão ouvindo os clássicos em eterno degelo da 4AD; sim, a seminal gravadora que revelou especiarias do quilate de Dead Can Dance, Clan of Xymox, This Mortal Coil, The The e o já citado Cocteau Twins. Da série: “Melhores de 2022”.

Ouça o álbum na íntegra abaixo:

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