Banda de São Thomé das Letras/MG novamente se esvai quando o assunto é rótulo
Por Luiz Athayde
Uma das formações mais criativas do subterrâneo brasileiro, Escarlatina Obsessiva, editou recentemente seu novo álbum de estúdio, Goth from Hell.
Diferente do formato tradicional de lançamentos discográficos, ou seja, 8, 10, até 12 faixas, o núcleo criativo composto por Karolina Escarlatina e Zef juntou nada menos que 19 músicas no registro.
No âmbito mercadológico/midiático, sua sonoridade se enquadrada facilmente como rock alternativo. Mas não seria simplista? De certa forma, sim. Afinal, as influências, referências e nuances presentes no sucessor de Back to the Land (2018) impedem uma “classificação” à primeira audição.
Cá entre nós, é assim que a experiência se torna mais interessante. Tudo bem e é normal surgirem nomes à cabeça como Bauhaus, Siouxsie & the Banshees, Malaria!, Talking Heads, Gruftrosen, David Bowie… Sim, aquele seu lado mais experimental, jazzístico, que inevitavelmente te leva ao free jazz. Ou a um fusion em um dia cinzento na cidade mineira de São Thomé das Letras, onde o duo reside.
E tudo isso você encontra em larga escala ao ouvir a instigante “Roadside Robbers”, a desafiadora “X” ou quando atacam de pós-punk/C86 em “Alligator People Cannibals”. Impossível também não mencionar “Antonio das Mortes”. O título se refere ao icônico personagem matador de cangaceiros dos longas Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), ambos de Glauber Rocha. A pegada é obviamente nordestina, com o baixo e a guitarra duelando como se fossem dois facões sob o sol desértico do sertão.
O lado, digamos, noventista aparece em “The Serpent and the Crow”, mas principalmente em “The Runaway”, com uma abordagem tão crua quanto as bandas da cena de Seattle. Dos singles que anteciparam o lançamento do disco, os escolhidos foram justamente os mais sombrios. Na verdade, “Salome” não poderia ser mais dark: em mote bíblico, se trata do pedido de Salomé ao rei Herodes para decapitar João Batista.
Todavia, “Son of Sam” é uma das faixas que você percebe que não está lidando com amadores. Esta traz um jazz à meia luz (ou nem isso) em um clima deathrock sem dever nada a, por exemplo, Christian Death.
Em suma, ao longo de 1 hora de passeio pelo blues, jazz, música gótica, brasileira, punk e pós, Goth from Hell se apresenta como a experiência ideal para quem deseja fugir do bê-á-bá radiofônico. Porém, não me entenda mal. O álbum é extremamente palatável; cortesia do instrumental dinâmico confluente com as melodias por vezes fantasmagóricas de Karolina. Muito bom.
A pré-venda do formato CD de Goth from Hell se encontra disponível neste link. Ouça o álbum íntegra pelo Bandcamp, ou abaixo, no Spotify:
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