Registro traz elementos do lançamento anterior, mas de uma forma mais direta
Por Luiz Athayde
É supergrupo que diz? E tome mais um na classe de 2023. Bom, na verdade desde 2016 na ativa: Creep Show.
Dois anos antes, Stephen Mallinder, voz e uma das mentes criativas do seminal Cabaret Voltaire, e seu companheiro Benge cruzaram com John Grant (The Czars) em uma passagem de som do Sensorial Festival, em Sheffield, Inglaterra.
A amizade inevitavelmente também se tornou musical e o grupo nasceu oficialmente após o convite para se apresentar no 40º aniversário da Rough Trade, no Barbican de Londres.
Seria praticamente óbvio que um álbum sairia dali, e saiu: o elogiadíssimo Mr Dynamite (2018); não apenas pelo cast envolvido, mas por trazer o melhor de cada mundo na esfera eletrônica; synth, funk, balanço, experimental.
“Foi um passeio em um parque de diversões pelos cantos escuros de um mundo que estava prestes a ser batido em um liquidificador. Era um disco que oscilava no limite”, disse a banda sobre o disco. “Cinco anos depois, era de se esperar que a continuação, Yawning Abyss, fosse se repetir e trazer à tona a fúria dos últimos tempos.”
Verdade. Não fosse uma pandemia bem na cara, adicionada por colapsos no mundo político e outros problemas inerentes ao sistema. Ainda assim… aliás, justamente por isso, mais um disco chegou na praça.
Yawning Abyss surgiu como uma supernova há pouco via carimbo Bella Union. Como eles mesmos definem, se trata de uma espécie de “horizonte de eventos cósmicos”, que é possível ver da janela da sala, quando se está sentado em uma cadeira.
A diferença é que as músicas são mais diretas. Obviamente as experimentações existem e são bem perceptíveis, quase impedindo que determinados resultados sejam executados em programações populares de rádio.
Não foi bem o caso da faixa-título, escolhida sabiamente para figurar o cartão de visitas. Se feita na época de Beverly Hills Cop (Um Tira da Pesada, 1984), as chances de entrar em sua trilha sonora seriam grandes. Axel Foley encontra Vangelis. Exatamente nessa pegada.
No entanto, caro (a) leitor (a), a abertura se dá de forma bombástica. Mais que um encontro na faixa anterior, “The Bellows” aperta firmemente as mãos olhando no rosto da era clássica do Kraftwerk. O álbum sequer começou e seu melhor momento surge praticamente aqui.
Mas aí vem a enérgica “Moneyback”, soando como se fosse um b-side punk-irônico de The Covenant, the Sword and the Arm of the Lord, álbum de 1985 do Cabaret Voltaire. Em “Matinee”, é possível identificar o DNA que influenciou nomes como Skinny Puppy e Frontline Assembly a partir dos anos 90. A conexão entre a batida e os efeitos vocais é fantástica.
A ácida “Wise” aparece na sequência acompanhada de um spoken word envolto a poesia concreta, onde máxima é a busca da sabedoria em um mundo a poucos passos do colapso total. “Yahtzee!” mostra uma pegada ainda mais urbana e da velha escola, notavelmente influenciada pelo breakdance, mas daquele jeito; dadaísta que só eles.
Na “Bungalow”, o mote foi causar um efeito flutuante e ao mesmo tempo envolvente com os sintetizadores, que acabou resultando em um eco inconsciente em direção a fase atual do Depeche Mode. Bela faixa. É o interlúdio perfeito para novas experimentações; a exemplo de “Steak Diane”, a música de perfil mais ambiente do registro.
Lembra da explosão synth do início? Pois bem, não foi à toa. Aqui, “The Bellows” é reprisada de um jeito espacial, partindo de uma perspectiva oitentista – como em praticamente todo o álbum.
Para não dizer ‘assustador’, é impressionante como praticamente tudo que vem de Stephen Mallinder soa vanguardista, mesmo quando há flashes de diferentes linhas temporais. No entanto, Yawning Abyss é uma confluência de mentes (Benge, John Grant, Phil Winter) extremamente criativas, loucas e até descompromissadas dos sons eletrônicos.
Em suma, é um álbum primoroso, ao trazer o equilíbrio entre o confuso e o acessível de um jeito único. Arrepiante.
Ouça Yawning Abyss na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir, via Spotify:
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