Artista da esfera gótica mostra que é possível trazer vigor à melancolia
Por Luiz Athayde
Nessa de estar com Neil Gaiman na cabeça – nada, foi pura viagem mesmo –, acabei confundindo a nova banda do artista mineiro Adriano Bermudes, mais conhecido como Bê. Os chamei de “Sandmen” (alusão ao Sandman) e não Sadmen; homens tristes… sombrios.
Pois bem, o fato é que o subterrâneo ganhou mais um registro de qualidade: Eu Ainda Estou Vivo, de Bê & os Sadmen.
Na verdade, o lance qualitativo não surpreende mais, tendo em vista que o ex-vocalista do Drowned Men ainda sinaliza destaque em função disso. Afinal, não é porque trata-se de pós-punk que merecemos ouvir, em pleno 2023, algo tosco.
Também não foi ao acaso que o registro veio sob chancela do carimbo carioca Plainsoing.Records, notório exemplo de excelência no âmbito visual. Além da arte da capa, com fotografia assinada por Tatiana Caju.
Mas vamos ao que interessa ainda mais: música. Bê agora é acompanhado por Kim e Lucas Gomes (guitarra e baixo respectivamente), e Ricardo Yuki (bateria). A única participação especial é do tecladista Marcelo França.
Juntos, esses músicos contabilizam algumas bandas e vários álbuns gravados, com sonoridades que vão das variantes do indie ao death metal.
No entanto, a diversidade para por aí. O segundo disco de Bê se propõe à alternância oitentista conhecida como pós-punk, gothic rock e, vá lá…algo de rock nacional estilo legionário.
Sua configuração é tradicional. Dez faixas com temas que passam por existencialismo, devaneios e críticas sociais. A abertura é propositalmente com o single “Strike Right In The Heart”, para pegar o ouvinte logo nos primeiros segundos. O que também acontece com a faixa-título, perigando ser o ponto mais alto; melódica e envolvente.
Em “Dreaming” as luzes são diminuídas consideravelmente. É Bê na sua faceta mais sombria, em tom de desespero.
Agora, qualquer conexão com a amplificada onda de ódio que a gente vê principalmente nas redes sociais pode não ser uma coincidência. Ao menos no título, “De Volta a Idade Média”. Destaque para o solo jazz/torto/agonizante de teclados no seu desfecho.
“Going Nowhere” surge na sequência quase como uma continuação natural da faixa anterior, porém, a procura de uma saída. Musicalmente ela soa como um simulacro sorumbático de The Doors, enquanto as passagens de guitarra ecoam aquele alternativo dos anos 90. Feita sob medida para apresentações ao vivo.
E por falar em dark, nem precisa imaginar Morrissey de lápis e maquiagem preta. Os Sadmen tratam de fazer isso (e mais um pouco, dada as demais referências) em “Amanhã”, com seu jangle pop escurecido. Ou, uma Legião Urbana com flores mortas.
Quando não há o que melhorar, aparece a climática “Pessoas me dão medo”. Agradecimentos especiais às ambiências providas pelos teclados, dando um ar totalmente cativante de conexões cureanas. Como costumo dizer nos pontos altos: fantástica.
Ainda não se trata do fim (do disco), mas, por outro lado, “Canção de Despedida” faz uma dobradinha direta com “Por que Vocês Ainda Estão Aqui” ao unir rock gótico e uma abordagem, digamos, titânica (com “til”, na verdade). “Será que é isso que eu necessito?” Ou o que Bê & os Sadmen precisaram no processo criativo?
Para encerrar, uma música tão fria quanto a capa do disco. Só que, a essa altura, você se vê tomado pela atmosfera do álbum, e no fim percebe que “E Então, Nada Mais” está exatamente onde deveria.
Da mesma forma que tudo o que se ouve aqui. Ainda assim, é um trabalho que prova que o vigor não precisa vir necessariamente de sons mais pesados, nervosos. Por mais que isso pareça paradoxal.
Tudo bem que estamos apenas no começo dessa nova jornada da formação mineira, mas Eu Ainda Estou Vivo é um ótimo cartão de vistas. Aliás, muito superior ao álbum debut.
Ouça o álbum na íntegra a seguir:
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