Álbum debut marca salto evolutivo em relação a seus modestos EPs
Por Luiz Athayde
O projeto instrumental de post-rock Animal Trees é um achado do underground sônico capixaba. Ele chegou por esses lados sob indicação, e não pelas tradicionais escavadas ou via inúmeros emails recebidos diariamente.
Isso foi em 2020; pandemia no seu momento crítico e o EP de cinco faixas, Reflected, nas plataformas digitais. Até ali (com outros dois registros similares), um ato subterrâneo com possibilidade de ecos maiores no meio alternativo. Cortesia de sua conexão inconsciente com o The Durutti Column.
No entanto, anos depois, ele surge com um disco cheio no real sentido da palavra: Espelho Tricado.
Aliás, algumas considerações importantes: Animal Trees é Vitor Toledo. Nativo de Vitória/ES, ele é instrumentista, compositor, produtor e já revelou nos bastidores: “toco em mais bandas do que deveria”. Além de se meter a dono de selo, a Confusão Records, responsável pelo seu debut.
Seu novo trabalho segue o esquema ‘faça você mesmo, mas com qualidade’, ou seja, tudo o que você ouve traz sua assinatura.
Esse “tudo”, na verdade, se traduz em músicas ambiente sob interferências de batidas eletrônicas e acústicas. Os nomes mais próximos certamente são Mogwai e Explosions in the Sky, mas a gente sabe que o céu é o limite quando o papo é rock alternativo.
Trata-se de um álbum que te leva a vários caminhos (mentais?) diferentes, e por isso mesmo ele pode te “enganar”. O melhor exemplo está logo no começo; “Lapso” faz uma abertura digna de um Slowdive, mas é seguida pela “A imagem nos estilhaços”, calcada em contratempos. A graça do play está justamente aí.
Ainda sobre beats, “Da janela” (primeiro single) flerta com o novo antes do desfecho totalmente shoegazer. “Drenado” vem com uma pegada mais minimalista dentro da esfera eletrônica, e traz Vitor Toledo debutando no spoken word.
Nessa de tocar em várias bandas, vale lembrar que ele também é baterista e “Esse espelho não reflete minha imagem” mostra seus dotes além do hardcore melódico. Já a música “Não há vitória quando o inimigo está dentro” apela para um certo momento de apreensão para desabrochar quase à la Les Discrets.
As experimentações com o spoken word voltam a aparecer em “Desfigura”, tranquilamente uma das melhores faixas do disco. Suas mudanças – da explosão a introspeção – remetem a trilhas sonoras de filmes indie dos anos 90.
A linguagem criada pelo Explosions in the Sky está de forma subliminar na faixa seguinte, “A palavra ‘distância’ nunca doeu tanto”. Simplesmente não daria para vir algo alegre de um título desses. Dito isso, não se assuste ao ouvir ecos do álbum The Earth is Not a Cold Dead Place (2003), da banda texana.
“Primavera Tardia” é outro ótimo momento com melodias presentes suportadas pela mescla de batidas. Faixa tão boa que merecia uma banda para apresentações ao vivo. “A Colisão” ameaça um Fugazi na introdução, mas é onde a veia punk rock do autor salta de tanta pressão.
Da mesma forma que boa parte dos álbuns heterogêneos, “A imagem nos estilhaços” faz o papel de encerramento praticamente como começou: com cara de intro. Mas com uma porta fechando bem na sua cara. Ou melhor, ouvidos.
Tudo bem que os clássicos desse subgênero ainda estão aí, ativos como nunca. Entretanto, seria um pecado ignorar novos nomes, inclusive quando já no seu álbum de estúdio tentam seguir seu próprio caminho. Muito bom.
Ouça Espelho Trincado na íntegra a seguir:
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