Rock gótico dentro do bom senso metálico
Por Luiz Athayde
O bom de metaleiro se meter a gótico é que raramente você verá, ou melhor, ouvirá uma tentativa de “inventar moda”. Já o lado ruim… melhor deixar para lá.
De qualquer maneira, desse bolo de gente influenciada pelas ‘carnes de vaca’ do gênero, The Mission, The Sisters of Mercy, The Cult e The Cure, saem discos excelentes. Contudo, um em especial não teria como dar errado: Nordic Gothic, do novo supergrupo do pedaço, Cemetery Skyline.
Também, vai vendo: Mikael Stanne (Dark Tranquillity, The Hallo Effect – vocal), Markus Vanhala (Insomnium – guitarra), Santeri Kallio (Amorphis – teclado), Victor Brandt (Dimmu Borgir, Witchery, ex-Entombed – baixo) e Vesa Ranta (Sentenced – bateria).
Como reportado anteriormente (leia aqui), essa formação não pretendia se apresentar ao vivo até surgir o convite para tocar no festival finlandês John Smith Rock, em agosto último. Àquela altura, eles sequer haviam lançado seu primeiro EP, Behind the Lie. Entretanto, foi a oportunidade de testar o repertório, calcado no futuro disco cheio.
E não foi nada à toa. Tudo o que se ouve neste cartão de visitas soa tão enérgico quanto qualquer performance, até porque estamos falando de macacos velhos de turnês.
Esse também é o motivo do disco ser tão direto, encorpado, mas sobretudo pegajoso. Além, claro, de ninguém ali ousar negar as referências. Santeri Kallio que o diga.
“Todos nós compartilhamos um profundo amor pelo rock gótico dos anos 80 e 90, seja ele mais orientado por sintetizadores ou por coisas mais pesadas, dominadas por guitarras. Você nota as melhores bandas [no nosso som], desde The Sisters of Mercy até Type O Negative”, disse o tecladista e principal compositor ao lado de Markus Vanhala.
Ele então aproveita para divagar sobre a sonoridade proposta.
“Mas o CEMETERY SKYLINE é uma banda gótica? Talvez até certo ponto, mas essa certamente não é a história toda. Se você tiver que descrever a diversidade musical do CEMETERY SKYLINE de alguma forma, faça-nos um favor e nos chame de embaixadores do rock melódico, melancólico e sombrio. Obrigado.”
De nada. Mas, e agora, como faz? Deleite-se. São dez hits potenciais (alguns prontos) extraídos do suco do gothic metal/rock que assolou o subterrâneo europeu nas décadas de 1990 e 2000.
No entanto, por incrível que pareça, não chega a ser uma armadilha nostálgica ou simplesmente um trabalho genérico. Apesar das incontáveis conexões fora as acima citadas. Ok, algumas músicas você até se assusta pela falta de vergonha na cara, mas nem de longe isso é um problema.
A primeira a tomar os ouvidos de assalto é “Torn Away”. Obviamente, ela figura uma das músicas de trabalho; Andrew Eldritch encontra Chris Isaak. “In Darkness” é praticamente autoexplicativa, não fosse o groove/pop puxado na escola finlandesa de nomes como Entwine e To/Die/For. Daria para dizer que se trata do ponto alto, mas seria injustiça com as oito seguintes.
Duas delas são “Violent Storm” e “Behind The Lie”. Ambas correligionárias do que o Crematory faz desde o seminal Act Seven, de 1999. Mas é em “When Silence Speaks” onde percebe-se o diferencial de ter Santeri no grupo. Esta parece ter saída de um disco do Verenpisara, banda alternativa com membros e ex-membros do Amorphis. Inclusive, o timbre de Mikael Stanne é assustadoramente semelhante ao de Rami Raski.
Agora é a vez de “The Darkest Night” mandar um abraço para Lacrimas Profundere. Pode pegar qualquer fase pós-Burning: A Wish (2001) que está valendo. Grudenta até os ossos. Já a faixa seguinte, “Never Look Back”, pega o lado mais conciso do saudoso HIM e vai embora. Pop do jeito que a gente gosta.
E por falar (novamente) em sem vergonha, “The Coldest Heart” é a que mais se aproxima de Peter Steele — mais um saudoso —, porém, a linha vocal nos momentos de calmaria remete aos anos 70. A sequência é por “Anomalie” e… na boa, mais cara de pau, impossível. Ainda bem que Ville Vallo deve ser um amigo.
Por fim, “Alone Together” surpreendendo com uma pegada mais densa, dominada por uma melodia quase shoegazer. O que é facilmente explicável: uma das principais influências do Type O Negative, especialmente no clássico October Rust (1996) é My Bloody Valentine. Então, se for para apontar uma predileta, hoje esta ganha com sobra.
Arrematando: uma das melhores estreias discográficas de 2024. Justamente por ser o resultado de um bando de velhos amigos se juntando para colocar, de forma criativa, o que ouvem desde a adolescência. Repeat certo.
Ainda:
+ Nordic Gothic saiu carimbado pela Century Media em CD e vinil, incluindo edições limitadas de ambos.
+ A produção é da própria banda; com mixagem de Alexander Backlund e masterização assinada por Tony Lindgren (Paradise Lost, Enslaved, Soilwork, etc).
Ouça na íntegra pelo Bandcamp, ou a seguir.