Intensamente melodioso, brilhantemente envolvente
Por Luiz Athayde
Em 2020, a formação galesa Private World debutou seu menu de um jeito tão requintado que até hoje ressoa em paladares mais sofisticados. Aleph é o nome do registro que figurou com folga um dos melhores daquele ano, graças ao talento de Tom Sanders e Harry Jowett, que serviram o crème de la crème da década de 80.
Nos palcos também não foi diferente. Entre os músicos para as performances ao vivo, a dupla contou com outra força criativa: Stanley Fouracres e Nick James. Multi-instrumentistas, compositores e responsáveis por uma espécie de spin-off, atendendo como Plastic Estate.
Todavia, a verdade é que este ato já existia quando a estreia discográfica do PW saiu. Contudo, seu primeiro álbum autointitulado só foi lançado em 2022. A vibe dele é diferente. Mais pista (de dança); aquela coisa meio Erasure, meio Depeche Mode dos primórdios. Ainda assim, você encontra traços sutis de sophisti-pop.
Bom, nada comparado a Code d’Amour, seu álbum recém-editado pela Avant Records. Tudo bem que “aqueles anos” possuem cadeira cativa no Class of Sounds, mas o lance aqui é que se trata do panteão da nostalgia. E surpreendentemente (ou não) feito por quem sequer viveu a época.
| Em tempo: obrigado aos pais destes jovens de Cardiff e/ou o acesso que tiveram ao que foi o padrão nas diais entre 1980 e 1990. |
O código do amor (referência ao título) do duo consiste em dez canções cuidadosamente selecionadas para envolver novos e velhos ouvidos sedentos por um pop radiofônico de qualidade.
Como quase sempre, eis um caso de injustiça ter que apontar a melhor faixa. O que dizer de um disco que começa com “Kind of Love”? Johnny Hates Jazz (uma boa constante aqui) encontra Aztec Camera para contemplar o pôr do sol no farol de Ponta Negra. Em 1989, importante dizer.
Outro single vem na sequência. “Open Eyes” é a música que mostra o lado mais latente de James e Fouraches, Bryan Ferry. Interessante notar como Boys And Girls (1985) e Bête Noire (1987) fizeram escola. Já “Feeling Like Ours” tem uma pegada mais atual – querendo soar como nos anos 80.
Aliás, muito do synthwave que se ouve por aí flerta com essa sonoridade ‘meio de tarde’, que inclusive serve para a balada “Stay”. Embora ela entre na lista de músicas que caberiam em um filme dirigido por John Hughes.
“Meet You There” faz a nova ponte para o agora sob a perspectiva de 1986. Além de retomar a pegada de clube noturno do debut. Ela é seguida por “Anymore”, música que simplesmente te pega na hora. Seu andamento é quase uma reprise da composição anterior, só que dominada por aquela maravilhosa atmosfera da madrugada, com aquele som que preenche toda a sala.
Ferry e discípulos como Spandau Ballet voltam a inspirar a dupla na pegajosa “Speak to Me”. Óbvio que foi uma das músicas de trabalho antes do disco vir à tona. Não que a essa altura eles precisem de cartas na manga, mas “2000 Ways” soa como uma joia escondida no meio do play. Cortesia do viés AOR (Adult Oriented Rock) de causar inveja aos obscuros Keven Jordan e Rock and Hyde.
No entanto, a apelação foi deixada para o fim. O combo vai de “Tonight”; ruas frias, vazias e noite adentro; enquanto “Helping Hand” te induz a perguntar o porquê de um som como esse – o resultado do encontro do groove do R&B/Jazz com a aura do synthpop dificilmente dá errado – demorou tanto tempo para entrar em evidência novamente.
De qualquer forma, o que importa é que estamos bem servidos de synthpop. A diferença é que a garotada de hoje não se guia apenas pela onda britânica que gerou Yazoo, OMD, Human League e afins. Tudo o que veio depois de Bowie e Ferry também está valendo. E é por isso que esta safra está de tirar o fôlego. Já entrou para os melhores de 2024.
Ouça na íntegra pelo Bandcamp. Ou a seguir.