Lado synthpop de um dos maiores compositores da música popular brasileira
Por Luiz Athayde
Já vou logo avisando: o primeiro você precisa ouvir de 2021 não tem no Spotify ou em nenhuma outra plataforma digital. A raridade – ou descaso mesmo, já que estou falando dessa vertente da música brasileira que há muito tempo é jogada às traças, ou cavucadores dos bons sons – é tanta que o lance vai ser só via Youtube mesmo.
Ainda assim, divagar sobre um músico que possui uma extensa biografia não é uma tarefa das mais fáceis, especialmente quando se trata de lendários compositores brasileiros.
O pianista, tecladista, compositor, arranjador e produtor paulistano César Camargo Mariano entra facilmente nesta galeria. Por este exato motivo, irei me ater justamente a um de seus trabalhos; “bifurcados” em áudio e vídeo.
A mágica década de 80 chegava na sua metade, e com ela o já premiadíssimo multi-instrumentista, produtor e arranjador paulista da classe de 1943 adentrava em sua fase… synthpop! O flerte se deu com o lançamento do álbum Prisma, em 1985, em parceria com o pianista e compositor Nelson Ayres, trazendo um set quase todo eletrônico. Qomo se Jean Michel Jarre estivesse passando férias no Brasil – vai saber.
No embalo da vibe sintetizada, ele montou, no ano seguinte, o espetáculo de música instrumental Ponte das Estrelas, em um fechamento com a banda Prisma. Esta, formada por Dino Vicente (teclados e programação), Ulisses Rocha (guitarra), Pedro Ivo (baixo), Azael Rodrigues (bateria), João Parahyba (percussão) e Pique Riverte (saxofone e flauta).
Seu repertório se mostra coeso na mesma proporção que envolve. Tudo graças às composições próprias e versões para trabalhos de alguns pilares da música brasileira e mundial, incluindo Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Jobim e John Lennon.
Com produção assinada por Luiz Carlos Maluly (Walter Franco, Raul Seixas, RPM, Metrô, etc), o projeto fez sucesso a ponto de transformar em um disco ao vivo, tendo a seu favor a tecnologia de ponta na época.
Foi também no mesmo ano que Camargo se apresentaram em um especial para a saudosa TV Manchete – e muito: desenhos, shows gringos e um jornalismo de respeito –, no extinto Projeto SP, em São Paulo.
E é aqui que está o ouro: embora mais enxuto, o setlist para o vídeo sofreu pequenas, mas significantes alterações. Explico: algumas músicas, por sinal, as mais eletrônicas/experimentais, são exclusivas desse show, como a absurdamente sensacional “6:92” – Telex encontra The Cure em Copacabana, vai vendo… – e a espacial “Ponte das Estrelas”, de Dino Vicente.
Também constam “Antes da Chuva”; uma peça jazz, kraut, space, prog rock, enfim, está tudo ali, mas, acima de tudo com o selo “BR”, de Brasil. Ah, sim: a composição é de Azael Rodrigues. Por último e longe de ser menos importante, há o “Improviso”, por César Camargo, encerrando com chave dourada.
Para quem foi do Sambalanço Trio a uma grande escolta na carreira da gloriosa Elis Regina; possui uma discografia a perder de vista; assinou trilhas para TV e cinema; e tocou em incontáveis festivais, sobretudo de jazz, pelo mundo, não é de se espantar que em algum momento (bom, na verdade foram vários) que ele flertasse com outros gêneros musicais.
E por isso mesmo que chega ser mais um pecado na história da música instrumental brasileira (como ele mesmo pontua no vídeo) que um álbum deste quilate esteja condenado ao esquecimento. Ou, como dito acima, restrito aos viciados em pesquisar sons.
Além de difícil de encontrar digitalmente, a última prensagem física data de 1994, em CD, via carimbos Columbia/Sony Music, no Brasil. Já em vinil, o desafio maior é encontrar uma cópia conservada, ainda que na sorte seja possível dar de cara com preços razoáveis.
Enfim, de choro só a música, e neste ao vivo maravilhoso, nem isso. É o Brasil com sintetizadores e o terreno livre das experimentações sônicas. Só vai.
Ouça Ponte das Estrelas abaixo:
Assista ao espetáculo “Ponte das Estrelas”: